09-02-2024
De acordo com a definição do dicionário Michaelis um glossário é uma “Lista de termos e palavras que constituem o jargão específico de uma ciência ou arte e sua respetiva explicação.”
No contexto das traduções, tal lista de termos consiste nas palavras no idioma original e suas contrapartes no idioma-alvo, podendo conter ainda informações que esclareçam o contexto de aplicação do referido termo, bem como outras informações pertinentes.
A sua elaboração deve ser prévia ao início da tradução em si, de modo que o glossário estruturado e devidamente aprovado seja disponibilizado para o tradutor, que o consultará constantemente.
Qual é a relevância e o impacto da elaboração e utilização de glossários para os projetos de tradução?
Em textos técnicos e científicos da área das ciências da saúde há, frequentemente, termos específicos da área que não são comumente usados em outros contextos ou que são usados com significados diferentes. Esses termos, caso não sejam pré-definidos e contextualizados em um glossário, vão exigir uma pesquisa minuciosa e demorada em bancos de dados especializados ou até pedidos de esclarecimento junto do cliente (organização contratante). Isto gere obstáculos no processo de tradução e diminui a velocidade de produção ou qualidade do produto final da tradução.
A elaboração de uma lista com termos-chave do projeto ou produto é uma ferramenta essencial para garantir a adequação da terminologia utilizada ao contexto específico da aplicação pretendida, bem como a consistência e padronização terminológica no documento final e entre diferentes documentos de um mesmo projeto ou entre projetos diferentes de uma mesma linha de produtos. Além disso, a existência de um glossário garantirá ainda a aderência às diretrizes e preferências terminológicas de cada empresa, o que reduz o tempo de validação dos documentos.
Como escolher os termos que deverão constar no glossário? Quais informações a conter? Como estruturá-lo de forma clara e concisa para facilitar o processo de tradução?
Para ajudá-lo nesta atividade, criamos um guia prático que detalha as etapas da criação de um glossário, bem como um fluxograma geral do processo:
Figura 1: fluxograma geral do processo de criação de glossários. |
Crie um arquivo em Excel com um nome que identifique claramente que se trata de um glossário e o assunto/linha de produtos ao qual ele se refere. Caso seja um glossário geral de termos adotados pela empresa, deixe isso claro na nomenclatura.
Figura 2: exemplo de nomenclatura de glossário específico para um produto. |
Figura 3: exemplo de nomenclatura de glossário geral da empresa. |
Quanto à estruturação do arquivo, garanta que ele possua pelo menos duas colunas:
Uma coluna referente aos termos no idioma original (que pode ser nomeada como “Source”, por exemplo);
Uma coluna referente ao termo no idioma-alvo (que pode ser nomeada como “Target”, por exemplo).
Figura 4: exemplo de glossário com as duas colunas básicas. |
Já tem a estrutura mínima para iniciar o glossário. Além das duas colunas, recomendamos mais duas colunas:
Uma coluna destinada a observações e avisos importantes que sejam considerados necessários para auxiliar o processo linguístico, que também pode servir para a inclusão de referências relevantes para a compreensão do termo. Tal coluna pode, por exemplo, ser nomeada como “Notes”.
Figura 5: exemplo de glossário com as quatro colunas descritas. |
2. Identificar os termos-chave ou expressões no idioma original
Agora que a estrutura do glossário já foi estabelecida, é necessário identificar os termos-chave ou expressões que deverão constar no glossário. Tal atividade pode ser realizada manualmente ou de forma automática. A extração automática pode ser de grande auxílio, principalmente em textos muito extensos que exigiriam um longo tempo para a avaliação manual. Contudo, tenha em mente que a extração automática deverá ser, necessariamente, seguida por uma avaliação crítica da adequação dos termos extraídos. Idealmente, deve-se realizar uma combinação de automatização/avaliação manual, proporcionando rapidez e qualidade ao glossário criado. Consulte a seguir as definições e especificidades de cada tipo de extração:
Extração automática de termos para o glossário: é uma avaliação automatizada, realizada por ferramentas e softwares específicos que identificam termos ou expressões relevantes de acordo com critérios pré-definidos pela pessoa que faz a extração. Esses critérios podem incluir, dependendo da ferramenta extratora utilizada, as seguintes definições: número máximo de palavras do termo, frequência de ocorrência do termo, lista de palavras a serem ignoradas, entre outros. A extração automatizada gerará uma lista de termos que deverá ser sujeita posteriormente a uma avaliação humana quanto à sua relevância: decidindo de manter, remover, adicionar ou modificar os termos de acordo com a sua adequação.
Consulte nas figuras a seguir o fluxograma deste processo, bem como os exemplos de uma lista de extração automática e da mesma lista após a avaliação crítica. Note que, no exemplo, coincidentemente, o número de termos permaneceu o mesmo, mas os termos em si foram alterados conforme sua adequação.
Figura 6: fluxograma do processo de extração automatizada. |
Figura 7: exemplo de página de documento original (à esquerda) e de lista de termos candidatos extraídos de forma automatizada da referida página (à direita). |
Figura 8: exemplo de lista de termos selecionados (à direita) a partir da avaliação crítica da lista de candidatos exibida na Figura 7 e à esquerda nesta figura para efeitos comparativos. |
Extração manual de termos para o glossário: realizada através da avaliação crítica global do texto original por alguém com conhecimento sobre o assunto/linha de produtos/requisitos da empresa, com o objetivo de identificar e extrair termos e expressões que possam ser relevantes para o glossário em construção, conforme os critérios pré-definidos.
Consulte nas figuras a seguir o fluxograma deste processo, bem como o exemplo de uma lista de extração manual. Compare-a com a lista obtida com a extração automatizada exibida acima e note os diferentes termos que podem ser detetados a partir dos dois tipos de extração.
Figura 9: fluxograma do processo de extração manual |
Figura 10: exemplo de página do documento original² (à esquerda) e de lista de termos selecionados pelo especialista (à direita). |
Para os dois tipos de extração definidos, é preciso estabelecer critérios com relação aos termos e expressões que são considerados relevantes para o glossário. Idealmente, deve-se focar na identificação de palavras que aparecem muitas vezes (por exemplo, “applicant” no exemplo da Figura 10) e/ou são pouco comuns ou específicas da área de conhecimento a que o texto se refere (por exemplo, “propylparaben” da Figura 7 e da Figura 10).
É importante que o glossário contenha os termos complexos, técnicos e específicos (por exemplo, “half-life” da Figura 7 e da Figura 10), bem como os termos complexos ou simples que possam ser interpretados erroneamente (por exemplo, “clear” da Figura 10), pois possuem significado diferente ou específico no referido contexto se comparados ao seu uso cotidiano fora da área de conhecimento.
Pode-se incluir ainda: os nomes de produtos, serviços e processos da organização; termos que já possuem uma tradução preferencial de acordo com as diretrizes da empresa ou uso consolidado em documentos traduzidos anteriormente (é importante usar os documentos relacionados como referência nesta etapa); nomes de agências governamentais, padrões e regulamentações; e acrônimos usados com frequência no documento.
Atenção! É importante relembrar que a inclusão de termos simples e cotidianos nos glossários, embora possa ser benéfica em alguns aspetos de padronização, pode gerar um glossário muito complexo e difícil de trabalhar, criando obstáculos ao invés de removê-los. Portanto, avalie cuidadosamente os benefícios e desvantagens da inclusão de cada um deles.
Vale destacar que, além de termos, o glossário também pode conter expressões (conjuntos de palavras formando uma frase) que se encaixem nos critérios definidos.
3. Colar os termos (ou expressões) selecionados do idioma original no Excel
Em seguida, cole os termos ou expressões selecionados do idioma original na respetiva coluna (por exemplo, na coluna “Source”), garantindo que cada um ocupe uma linha específica. Isso pode ser feito em conjunto com a etapa 2, conforme os termos são identificados. Após finalizar esta etapa, organize a lista em ordem alfabética para facilitar sua visualização.
Figura 11: exemplo de coluna “Source” com os termos selecionados colados e organizados em ordem alfabética. |
4. Identificar o termo correspondente no idioma-alvo
Esta é uma etapa bastante importante para a exatidão e qualidade do glossário em criação. Garanta que a tradução inserida para o termo ou expressão selecionado seja a mais usada no contexto da tradução, esteja de acordo com documentações existentes da empresa ou produto, seja clara, precisa, facilmente compreendida pela população-alvo do documento em questão e esteja gramaticalmente correta.
Para esta etapa, é importante consultar as documentações de referência da organização ou do produto específico, as diretrizes linguísticas internas da empresa e a literatura técnica ou científica disponível sobre o assunto, bem como envolver no processo os funcionários da organização que são considerados especialistas no assunto em questão e que poderão trazer insights valiosos sobre a tradução mais adequada.
5. Inserir os termos no idioma-alvo no Excel
Em seguida, insira os termos ou expressões selecionados no idioma-alvo na respetiva coluna (por exemplo, na coluna “Target”), garantindo que cada um ocupe uma linha específica, correspondente ao termo no idioma de origem. Isso pode ser feito em conjunto com a etapa 4, conforme os termos são identificados.
Figura 12: exemplo de coluna “Target” com os termos-alvo identificados e inseridos. |
6. Identificar o contexto de ocorrência do referido termo
Esta etapa consiste na identificação da frase ou de pequenos trechos do texto em que o termo ou expressão ocorre e que poderão facilitar consideravelmente a compreensão de seu significado. Para tal, pode procurar o termo no material de origem ou outros documentos de referência e copie as informações contextuais do termo ou expressão de interesse. Tome cuidado para garantir que selecione trechos em que o termo ou expressão tenha realmente o significado pretendido e previamente inserido no glossário.
Figura 13: exemplo de identificação do contexto de ocorrência do termo “clear” ou suas variações (como cleared) em uma página do documento original.² |
7. Colar no Excel os exemplos de contexto de ocorrência do termo
Em seguida, cole as informações contextuais na respetiva coluna (por exemplo, na coluna “Context”). Aqui pode ser inserido um ou mais exemplos de contexto, caso considere necessário. Contudo, tome cuidado para não inserir informações em excesso, que podem tornar o texto confuso.
Figura 14: exemplo de coluna “Context” devidamente preenchida. |
8. Incluir as observações e informações adicionais, se necessário
Finalmente, insira na última coluna do Excel as informações adicionais que considerar pertinentes, como referências úteis sobre o termo, definições e explicações necessárias sobre algum ponto passível de dúvida, etc.
Figura 15: exemplo de coluna “Notes” devidamente preenchida para a entrada “clear”. |
Agora, o glossário está pronto para ser compartilhado com os tradutores, garantindo assim maior agilidade e qualidade no projeto atual de tradução, bem como nos projetos futuros.
Atenção: lembre-se de sempre manter o glossário atualizado e de alimentá-lo com novos termos relevantes levantados durante o processo de tradução e revisão, assegurando assim maior exatidão e abrangência.